27 outubro 2006

Cachorro morto não se chuta?

A esperança é, sem dúvida, a derradeira força do ser humano. Ela resiste, quando tudo é adverso. Não a abandono, mas não posso deixar de dar ouvidos à realidade que não apenas bate, mas esmurra à minha porta, me esbofeteia no rosto, gritando: "Esse país não tem jeito!"
Essa realidade me mostra que foram feitas escolhas erradas. Não falo da escolha de Alckmin. Ao contrário de muitos, não desejava José Serra (votei nele na eleição passada porque era o adversário de Lula, mas não é do meu estilo). Preferia Aécio Neves, mas ele é muito esperto para se queimar assim (na verdade preferia alguém decente, mas esses não se metem com isso). Para mim, apesar de ter ganhado no 1° turno em SP, Serra também não levaria, se sua campanha fizesse as mesmas escolhas. E que escolhas foram essas?

A primeira escolha aconteceu antes da eleição, quando todos acreditaram no triunfo da decência neste país. Não quiseram fazer de Lula um mártir operário (tal como aconteceu com Collor em diversos segmentos, que alegam que ele foi deposto sem provas porque queria "mudar o país"), mas deixaram o tempo curar as feridas abertas pela traição de Roberto Jefferson. Se encolheram atrás de seus próprios pecadilhos e deram trégua ao barbudo. "Não se chuta cachorro morto", certamente pensaram, sem reparar que era um lobo que apenas dormia (ou fingia).

Como disse, não questiono a escolha de Alckmin. Ele estava atrás de Serra nas pesquisas, mas sabemos que um BOM marketing elegeria até a Marta, a mãe-megera da novela "Páginas da Vida", vivida por Lílian Cabral. Também não vou destilar aqui a teoria da conspiração, o propalado acordo com o PT loteando esta eleição e a outra. Afinal, o PSDB não nasceu ontem. Quem, em sã consciência, iria fazer um acordo clandestino com a cúpula petista, reconhecidamente formada por mentirosos e golpistas de carteirinha? Se Lula desse uma banana para Serra e Aécio, o que iriam fazer? Vir a público denunciar? Seria um suicídio político dos dois, do partido inteiro! Alckmin foi escolhidi porque peitou o partido e, principalmente, proque estava disposto a enfrentar Lula. Provavelmente era da turma que estava vendo o cachorro morto. FHC e companhia talvez já tivessem percebido que era lobo, e pensaram: "o que vier é lucro". E lá foi Alckmin de "boi de piranha".

Peraí! Então eu estou dizendo que ele já estava derrotado antes de começar? Não. Estou dizendo que Alckmin não tinha uma vitória fácil pela frente, como muitos (inclusive eu) pensavam quando o mensalão estourou. Naquela ocasião, achei que até o Enéas ganharia de Lula. Como eu já disse, julguei os outros por mim. Achei que a esmagadora maioria dos brasileiros tinham vergonha na cara e colocariam isso em primeiro lugar. Não elegeram o Lula, que a lógica apontava como incompetente, porque era honesto? Com aquele escândalo ele "estava no sal". Mas De Gaulle tinha razão...

Ao subestimar a "blindagem" de Lula, a aura protetora que ser o mito do "homem simples que chegou lá" lhe concedia, Alckmin escolheu o caminho errado para sua campanha. Em vez de fragilizar esta blindagem com fogo contínuo, preferiu ignorá-la. Confiou no julgamento ético do povo e se dedicou a fazer uma campanha para prefeitura: promessas, obras, a imagem de trabalhador. Esqueceu-se que a classe política, seja de esquerda, direita ou centro (que aqui são aqueles que ficam no meio da balança e escorregam para o lado que estiver melhor), está completamente desmoralizada. Se um cidadão honesto se candidata, imediatamente recebe a pecha de oportunista. Por isso, promessas e obras não mais cativam eleitores. "Ele vai esquecer tudo depois de se eleger...", pensam os votantes. Nesse caso, o candidato à reeleição leva vantagem, porque ele só precisa dizer que continuará fazendo. Se o povo comprar essa idéia (mesmo que mais da metade ele tenha feito perto das eleições), fica fácil. Já a imagem de trabalhador não diz muito. Afinal, em 2002 elegeu-se alguém que passou 13 anos sem fazer absolutamente nada.

Alckmin tinha como bordão "Por um Brasil decente", mas seus programas eram superficiais para falar na indecência. Achavam seus assessores que o povo se lembrava do mar de lama petista ou pensavam que martelar a idéia seria contraproducente? Faltou inteligência na campanha de Alckmin para abordar o problema de um forma nova, que não fosse a simples repetição de escândalos. Por que não explorar as contradições do governo Lula com sua campanha? O que disse e depois disse o contrário durante as crises? Por que não mostrar escândalos em países desenvolvidos e como o povo reagiu na urnas? Deveria ter explorado a vergonha de um povo em reeleger corruptos, mas preferia "falar do futuro". Acabava por transmitir a idéia que tinha telhado de vidro.

No fim das contas, sua campanha teve uma sobrevida graças a uma fenomenal burrada de seus adversários. Tão incrivelmente burra que até uma conspiração parecia plausível. Lula foi associado à mentira, à corrupção, o momento certo para reavivar a memória. Isso foi feito? Uma única vez. E voltou-se atrás com o rabo entre as pernas ante a primeira reação do adversário, que paradoxalmente acusou um erro onde houve acerto. Alckmin defendeu o passado? Não. preferiu descolar-se dele, como se fosse um passado sujo.

A campanha de Alckmin foi uma pregação aos convertidos. Arrisco afirmar que, no dia 29, salvo se um milagre nos salvar, ele receberá os votos dos que já haviam decidido votar nele. Os que o conheceram e confiaram durante a campanha recuaram diante de tamanha apatia. Se depois de tudo que aconteceu, Lula ainda se mostrava competitivo nas pesquisas (muito antes da campanha começar), estava evidente que o povo não tinha uma percepção realista do seu governo. Gostando ou não, concordando ou não os letrados com seus métodos, Lula manteve a inflação baixa, manteve a cesta básica estável e o país não quebrou (cresceu pífios 2%, mas não regrediu, o desemprego não ficou mais gritante do que estava). O povo não pode entender as implicações macroeconômicas do câmbio, da dívida pública ou o superávit primário. Querer que o povo compare com o crescimento do PIB da China (Pibe? Mas o que é pibe?), que saiba o que é Taxa SELIC (taxasselique?) é demais, para uma gente que não sabe nem o que é porcentagem. Povo não sabe o que são commodities! E foi contra esse "bem sucedido" (hahaha) presidente que Alckmin decidiu destilar toda sua competência. Tome saúde! Tome (pasmem) segurança! Tome crescimento! O tecnocrata contra o manipulador. A lógica fria contra o fanatismo e a ignorância.

O desafiado escolhe as armas. Lula escolheu a emoção e a mentira. Alckmin não soube manejá-las e nem voltá-las contra o oponente. Ele pode ter desejado dar uma lição de decência, mas o que melhor ensinou foi como não fazer uma campanha para a presidência.

1 Comentários:

At 3:49 PM, Blogger Zé Costa disse...

Parabéns pelo blog e pelo estilo, leio você com uma ponta de inveja, queria ter nos meus textos os mesmos recursos que você utiliza no seu.

Ainda pagaremos muito caro por não ter feito a coisa certa na hora certa!

É triste, mas acho que nossas instituições não terão peito para punir os maiores infratores!

um abraço!

 

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