08 novembro 2006

"País do Contrário"

Os políticos brasileiros realmente têm um modo bastante peculiar de ver o mundo. Se o Japão é um país de contrastes, o Brasil é o país "do contrário". Onde temos que combater causas, atacamos as conseqüências. Por exemplo: em vez de gerarmos crescimento para aumentar o emprego e produzir renda, distribuímos esmolas para a população miserável; em vez de investirmos em medicina preventiva, gastamos(e mal) no tratamento de doenças que poderiam ser erradicadas com vacinação, saneamento, atendimento médico nas escolas, campanhas, etc.; em vez de aplicar-se recursos na educação pública de qualidade, propõe-se um sistemas de cotas (e ainda se faz disso uma bandeira racial, quando seria menos inadmissível se fosse social) e cria-se programas como o ProUni.

Todos estes problemas têm suas causas num histórico de desigualdade social e incúria administrativa e as pessoas envolvidas não se encontram diante de uma escolha particular. De nada adianta desejar trabalhar se não há oportunidade; a população carente não pode mudar suas condições sanitárias ou se vacinar, nem mudar a qualidade do ensino público. Isso é responsabilidade da sociedade, que ela delega ao Estado. Cabe a ele fomentar a economia e fornecer infra-estrutura, saúde e educação ou, no que couber, transferir à iniciativa privada, fiscalizando sua atividade.

Por outro lado, nossos políticos também gostam de atacar as causas onde deveriam atacar as conseqüências. E quando é isso? Quando as causas estão relacionadas com escolhas pessoais, trazendo responsabilidade aos envolvidos. Um exemplo é a famosa Lei n° 8.666/93, que regulamenta as licitações e contratos da Administração Direta. Esta lei transforma o processo num emaranhado de regras complicadíssimas e não raro torna as licitações verdadeiras guerras judiciais. Ao final do labirinto, o governo geralmente compra o mais barato dos concorrentes, mas quase sempre paga mais que no mercado e fica com um produto de qualidade inferior. No caso de ser algo tecnológico, muitas vezes demora tanto que fica obsoleto. Alguns casos escaparam desta sina graças aos pregões eletrônicos, mas a deficiência ainda persiste. E por que isso acontece? Por que tanta burocracia e controle? Para evitar que haja corrupção no processo de licitação. Para evitar que se roube! Por favor, contenham o riso...

A Lei 8.666/93 é um oceano de burocracia que só prejudica o governo e não atinge seu principal objetivo que é evitar a roubalheira. Se ela não ocorre, não é por causa da lei, mas porque seus usuários não querem (sim, há - e muito - funcionários honestos!). Mas a lei não pode ser simplificada, gerando economia para o Estado e maior qualidade daquilo que ele consome, porque os inescrupulosos iriam se fazer. CADEIA NELES! É isso que um país sério faz. O funcionário tem liberdade para agir, mas se agir mal... é cana: no presídio, sem cela especial, sem celular, sem TV e sem visita íntima. E cumprem a pena toda, porque liberdade condicional é para poucos. Mas nosso sistema jurídico é uma piada. Vocês acham que os norte-americanos são mais educados que nós? Que é por isso que compram jornal naquelas máquinas e só pegam um? Não, é porque se pegar dois e for apanhado, está em maus lençóis. Tentem convencer um policial americano a deixar de dar uma multa de estacionamento proibido dizendo "estou saindo"... Não vai colar. Por isso lá não é preciso colocar obstáculos nas calçadas para evitar que os carros subam.

Agora a nova pérola dos políticos é a identificação no acesso à Internet. Novamente querem complicar, prejudicar as pessoas sérias, para evitar o crime. A Internet já fornece, hoje, mecanismos para rastrear criminosos. Se eu colocasse neste blog uma foto com uma criança fazendo sexo, o Blogger saberia o IP que a mandou. Meu provedor saberia que login estava usando tal IP no momento da postagem. Bastaria um mandado judicial. Afinal, houve um crime, previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Alguém poderá dizer que há entraves para obter as informações. Se houver leis, tratados internacionais e coisas assim, não haverão. E mandar spam com vírus? Não é crime? Que se mude a lei, então. E spam sem vírus? Pode ser contravenção. Se esses mecanismos não forem suficientes, não será pela identificação que se resolverá o assunto. Hackers continuarão a burlar o sistema, programas maliciosos continuarão existindo, capturando a identificação de pessoas para serem usadas pelos pedófilos e outros mal-intencionados.

A proposta faz lembrar o Plebiscito do Desarmamento, que iria coibir os cidadãos honestos sem poder controlar os criminosos. As armas por si sós não causam o crime, assim como o anonimato também não. O problema está no mau uso que se faz desses instrumentos, e isto continuará existindo, não podemos nos iludir que não. Todavia, da mesma forma que o desarmamento tornaria qualquer cidadão indefeso (mesmo aquele que nunca pensou em ter uma arma), a identificação seria um risco. Quanto tempo levaria para hackers obterem identificações e cruzarem dados, produzindo informações para criminosos? Seria também um golpe mortal na liberdade de expressão na rede. Quantos diriam o que pensam se pudessem perder o emprego ou ser perseguidos? E quem iria proteger o cidadão do Estado, num eventual arroubo totalitário?

"Os inocentes pagam pelos pecadores", diz o dito popular que mais reflete a injustiça. O princípio jurídico da intranscendência, que garante que a pena não deve passar da pessoa do criminoso contraria aquela noção distorcida que é a fonte de nossa burocracia, aquela montanha de papel que pretende barrar os "espertos" (e não consegue) e cria transtornos sem fim para o cidadão de bem e enriquece os cartórios no meio do caminho. A Internet é uma das poucas coisas que progride nesse país justamente porque nosso governo ainda não meteu o bedelho nela. Não se pode permitir que a demagogia e o controladorismo rastaqüera destruam o mais importante meio de comunicação da humanidade. Arrumem, isso sim, um jeito do Judiciário fazer o trabalho dele que todo o resto se resolve. A solução das mazelas deste país não está no controle totalitário, no fim da liberdade. Ela pode, na verdade, ser resumida a três palavras: "FIM DA IMPUNIDADE".

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07 novembro 2006

Tá difícil...

Estou tendo alguns problemas e não estou conseguindo postar. Vou postar alguma coisa hoje, mais tarde.

02 novembro 2006

A Lei e as urnas

No post anterior falei sobre minha descrença quanto à possibilidade de Lula ser cassado por crime eleitoral, em virtude do dossiê comprado para prejudicar os tucanos. Acho que isso é uma daquelas consolações que buscamos diante da tragédia. Costumo ser otimista, mas quando o otimismo confronta a realidade dou preferência à última. Quando alguns outros blogs propagavam a ilegitimidade das pesquisas, crucificavam o Datafolha e enalteciam o cenário dos trackings eu já desancava a campanha de Geraldo Alckmin e duvidava da vitória. Entrei para o time dos que "jogaram a toalha", mas a inaceitável vergonha que o Datafolha mostrava emergiu descaradamente das urnas.

Agora me vejo novamente diante da expectativa daqueles que ainda se recusam a acreditar que este país se rendeu à bandidagem. Admitamos ou não, houve, sim, uma rendição. Quer tenha sido pelo apoio ao erro, quer tenha sido pela omissão ante sua presença, quer seja pelo declarado apoio à esquerda inescrupulosa, quer seja pela inoportuna rejeição ao "conservadorismo das elites", houve uma escolha em que outros critérios foram privilegiados em detrimento da honestidade e do respeito à coisa pública. Tenha votado no PT ou se abstido covardemente pela via da justificativa (o jeitinho brasileiro de não cumprir o dever do voto) ou do voto nulo, o eleitor referendou a indecência administrativa.

É neste país que se deseja desfraldar a bandeira da legalidade como se ela fosse sobreviver incólume aos eflúvios pestilentos que se imiscuem nos corredores dos poderes? Não será apenas pelo apreço à justiça que uns poucos bastiões da honestidade conseguirão preservá-la do acintoso eco das urnas. Para contrapor-se às urnas será preciso algo que acenda o clamor público, ainda anestesiado com a ilusória alegria da vitória. Será preciso algo contundente, que não sucumba facilmente às falácias habilmente urdidas pelos mestres da desfaçatez.

Assim, primeiramente é preciso achar provas que demonstrem, sem sombra de dúvida, que a foi campanha do PT à Presidência da República que usou dinheiro ilícito para adquirir documentos para uso eleitoral. Se o rastro acabar na campanha de Aloizio Mercadante, candidato derrotado, como deseja o PT, nada acontece. Nesse caso, poder-se-ia especular numa vingança do bigodudo ("não descerei ao inferno sozinho", teria dito), mas é improvável. Esse mesmo tipo de afirmação foi atribuída a Zé Dirceu e nada aconteceu. A falta de provas concretas não só inviabiliza uma ação efetiva do TSE, já propenso a abdicar da polêmica, mas confere a qualquer iniciativa nesse sentido a pecha de "golpe". E no terreno pantanoso da corrupção, achar prova exige muito empenho.

Permito-me agora incorporar a personagem do inesquecível Francisco Milani (humorista fantástico, apesar de comunista até a raiz do cabelo) na Escolinha do Professor Raimundo. Com o seu bordão "pedra noventa só enfrenta quem agüenta", Pedro Pedreira exigia as provas mais estapafúrdias dos fatos históricos, como plano de vôo do 14-Bis ou atestado de óbito de Jesus Cristo. Tal como ele, pergunto: "- Recibo assinado por Vendoin, em nome do candidato ou de funcionário a seu serviço direto, tem?"; "- Gravação com a voz do candidato ou pessoa diretamente ligada à campanha presidencial falando, sem ser por códigos sobre o dossiê, tem?" "- Então não me venha com xurumelas!"

Tirando o exagero próprio da personagem, quero dizer com isso que o TSE não irá reverter os rumos da história baseado em indícios e testemunhos ("a prostituta das provas"). E quem poderá produzir as provas consistentes? A Polícia Federal ? A mesma que anteontem intimidava os repórteres da Revista Veja? É daí que devemos esperar as provas do delito eleitoral? Quem sabe da CPI das Sanguessugas e seus "detetives" experimentados, ainda mais quando a legislatura está no fim?

Mas vamos ignorar a falta de empenho da PF e supor que seja revelada uma prova irrefutável do envolvimento do comitê de campanha de Lula (e, segundo a lei eleitoral, dele mesmo, sabendo ou não). Terá o TSE força para fazer prevalecer a lei contra a vontade das urnas? Ou irá preferir se esconder atrás do argumento que o procedimento não alteraria o resultado do pleito? Seria a instituição do Judiciário forte a ponto de enfrentar o risco de comoção de um povo acostumado a relativizar a Lei?

É justamente na desconfiança quanto a tal maturidade que encontro motivos para não nutrir muitas esperanças.

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Encarando a realidade

O que será pior? Ver o candidato de sua preferência perder ou ver aquele que você detesta ganhar? Não, não estou querendo ressuscitar o debate sobre a responsabilidade da vitória de Lula, mas sim saber se o que dói mais é perder o troféu ou engolir o sapo. Eu me enquadro no segundo caso. Nunca estive no primeiro, porque nenhum candidato à presidência que tenha tido chance me empolgou, exceto Fernando Henrique Cardoso na segunda vez, e nesta Lula não deu nem por cheiro. Não gostava de Collor, não confiava em FHC antes (ele era de esquerda, lembram?) e sempre tive profunda antipatia por José Serra (talvez se ele "se achasse" menos...), mas eram eles ou o analfabeto socialista militante. Alckmin me agradava, mas não dava pra ser fã. Sua vitória não era o que me importava, mas sim a derrota da esquerda, fosse ela a totalitária e corrupta (Lula), a radical retrógrada (Heloisa Helena) ou a inteligente mas incompetente (Cristovam Buarque). Alckmin era o anti-Lula. Se, em vez dele, o candidato fosse ACM Neto, eu votaria do mesmo jeito, desde que escorraçasse o safado. Não ver o facínora ser derrubado e, ao contrário, ser reconduzido com aparente júbilo (60% dos válidos, mas só 46% do total) foi arrasador.

Não que não fosse uma tragédia anunciada. Bastava assistir um programa do Geraldo para ver que a coisa ia mal. Quando ele dizia que "a candidatura cresceria quando começasse a propaganda eleitoral", acreditava porque para mim ia ser a época de refrescar a memória dessa gente estúpida sobre todas as malandragens. Ficava só imaginando as imagens com recortes de jornais e revistas, as fotos de Zé Dirceu e Roberto Jefferson sendo carimbadas com "cassado", e por aí vai. Mas, cadê? Tome restaurante, tome escola técnica... É como um parente próximo hospitalizado. Você se preocupa, mas fica esperando uma reação.

Veio o dossiê. Era a "Miriam Cordeiro" da nova era! (Para quem não lembra, ela foi a ex-namorada de Lula que denunciou que ele não dava a mínima para sua filha Lurian, propondo seu aborto - e hoje ele a paparica com carros oficiais e dinheiro para ONGs... - e a denúncia foi utilizada por Fernando Collor para arrasar os votos de Lula). Deu segundo turno: é agora! Alckmin descobriria as vantagens terapêuticas da lama em quem merece. Debate quente na Band e... queda nas pesquisas? O parente foi para a UTI. É aquela hora em que todos sabem o que vai acontecer, mas todo mundo se nega a ver. O médico só diz "vamos aguardar...". Ele está falando do óbito, mas a família acha que é da cura. É o instinto de sobrevivência da sanidade: o consciente nega, o subconsciente vai aceitando. A Macabra virá. Consternação do consciente, até que se escute o subconsciente dizer "eu já sabia".

Quem já viveu a morte de um ente querido sabe que entre a notícia e a aceitação transitamos numa espécie de limbo da realidade. Esperamos acordar do pesadelo, cogitamos se não teria sido um ataque cataléptico, imaginamos se não houve um engano, desejamos negar até compreendermos que infelizmente aconteceu. Passada a vitória de Lula, nos pegamos a "encontrar saídas". Haverá o impeachment. O dossiê lhe cassará o diploma. Algum mais apaixonado pode até imaginar um "Lee Oswald" encarapitado em um ministério no dia da posse, mas isso não dá nem pra comentar. Só se fosse para entronizar de vez a esquerda no papel de "vítima da zelite".

Nada mais sadio para a mente e para a cidadania que acreditar na justiça, nas instituições. Mas é preciso não tirar os pés do chão. As urnas nos deram um prova que quase a metade dos brasileiros ou não se escandaliza mais ou se considera refém do assistencialismo governamental. Não será qualquer escandalozinho que irá repetir com Lula o destino de Collor. Collor presidia uma nação menos anestesiada contra a corrupção e sua política econômica foi um desastre. O único tiro com que prometera acabar com a inflação errara o alvo. A fruta estava podre. Lula, que sobreviveu ao Valerioduto e à GameCorp segurando a inflação e "expulsando" o FMI não cairá com qualquer brisa.

Já acreditar na punição pelo crime eleitoral, esta sim uma hipótese concreta, esbarra no fato que para isso a Justiça Eleitoral terá de reverter um fato consumado aos olhos do mundo, e que isso exige uma maturidade institucional que ainda não pude perceber neste país. Além disso, para que possa ao menos cogitar fazer isso, será preciso uma prova cabal, inequívoca, quase flagrante do envolvimento da campanha de Lula com o dossiê. Preciso falar? Vou deixar isso para outro post.

Não se trata aqui de abdicar pela luta pela legalidade contra a impunidade. Trata-se de não se deixar cegar por esta única (e minúscula) janela. A luta maior é desestruturar o mito. Lula cresceu e se fortaleceu em meio à perseguição. Esse foi o seu estrume. Sabemos que o PT é dado a fazer o nó da própria forca. Temos que estar prontos para puxar a corda antes que ela fique rota. Ao contrário da morte, que é permanente, o mandato é temporário. O desafio é não deixar que ele perca essa característica, como aconteceu em Cuba e na Venezuela. É não permitir que a manipulação seja a mola mestra de 2010. Ajudar Lula a desconstruir a si próprio nos conduz a um objetivo mais importante que abreviar seu mandato: puni-lo justa e definitivamente com a pena mais cruel: condená-lo ao ostracismo.

Do luto à luta

Refeito do golpe(ops!) e com mais tempo, vou tirar o luto e retomar o discurso. A vida continua.