02 novembro 2006

Encarando a realidade

O que será pior? Ver o candidato de sua preferência perder ou ver aquele que você detesta ganhar? Não, não estou querendo ressuscitar o debate sobre a responsabilidade da vitória de Lula, mas sim saber se o que dói mais é perder o troféu ou engolir o sapo. Eu me enquadro no segundo caso. Nunca estive no primeiro, porque nenhum candidato à presidência que tenha tido chance me empolgou, exceto Fernando Henrique Cardoso na segunda vez, e nesta Lula não deu nem por cheiro. Não gostava de Collor, não confiava em FHC antes (ele era de esquerda, lembram?) e sempre tive profunda antipatia por José Serra (talvez se ele "se achasse" menos...), mas eram eles ou o analfabeto socialista militante. Alckmin me agradava, mas não dava pra ser fã. Sua vitória não era o que me importava, mas sim a derrota da esquerda, fosse ela a totalitária e corrupta (Lula), a radical retrógrada (Heloisa Helena) ou a inteligente mas incompetente (Cristovam Buarque). Alckmin era o anti-Lula. Se, em vez dele, o candidato fosse ACM Neto, eu votaria do mesmo jeito, desde que escorraçasse o safado. Não ver o facínora ser derrubado e, ao contrário, ser reconduzido com aparente júbilo (60% dos válidos, mas só 46% do total) foi arrasador.

Não que não fosse uma tragédia anunciada. Bastava assistir um programa do Geraldo para ver que a coisa ia mal. Quando ele dizia que "a candidatura cresceria quando começasse a propaganda eleitoral", acreditava porque para mim ia ser a época de refrescar a memória dessa gente estúpida sobre todas as malandragens. Ficava só imaginando as imagens com recortes de jornais e revistas, as fotos de Zé Dirceu e Roberto Jefferson sendo carimbadas com "cassado", e por aí vai. Mas, cadê? Tome restaurante, tome escola técnica... É como um parente próximo hospitalizado. Você se preocupa, mas fica esperando uma reação.

Veio o dossiê. Era a "Miriam Cordeiro" da nova era! (Para quem não lembra, ela foi a ex-namorada de Lula que denunciou que ele não dava a mínima para sua filha Lurian, propondo seu aborto - e hoje ele a paparica com carros oficiais e dinheiro para ONGs... - e a denúncia foi utilizada por Fernando Collor para arrasar os votos de Lula). Deu segundo turno: é agora! Alckmin descobriria as vantagens terapêuticas da lama em quem merece. Debate quente na Band e... queda nas pesquisas? O parente foi para a UTI. É aquela hora em que todos sabem o que vai acontecer, mas todo mundo se nega a ver. O médico só diz "vamos aguardar...". Ele está falando do óbito, mas a família acha que é da cura. É o instinto de sobrevivência da sanidade: o consciente nega, o subconsciente vai aceitando. A Macabra virá. Consternação do consciente, até que se escute o subconsciente dizer "eu já sabia".

Quem já viveu a morte de um ente querido sabe que entre a notícia e a aceitação transitamos numa espécie de limbo da realidade. Esperamos acordar do pesadelo, cogitamos se não teria sido um ataque cataléptico, imaginamos se não houve um engano, desejamos negar até compreendermos que infelizmente aconteceu. Passada a vitória de Lula, nos pegamos a "encontrar saídas". Haverá o impeachment. O dossiê lhe cassará o diploma. Algum mais apaixonado pode até imaginar um "Lee Oswald" encarapitado em um ministério no dia da posse, mas isso não dá nem pra comentar. Só se fosse para entronizar de vez a esquerda no papel de "vítima da zelite".

Nada mais sadio para a mente e para a cidadania que acreditar na justiça, nas instituições. Mas é preciso não tirar os pés do chão. As urnas nos deram um prova que quase a metade dos brasileiros ou não se escandaliza mais ou se considera refém do assistencialismo governamental. Não será qualquer escandalozinho que irá repetir com Lula o destino de Collor. Collor presidia uma nação menos anestesiada contra a corrupção e sua política econômica foi um desastre. O único tiro com que prometera acabar com a inflação errara o alvo. A fruta estava podre. Lula, que sobreviveu ao Valerioduto e à GameCorp segurando a inflação e "expulsando" o FMI não cairá com qualquer brisa.

Já acreditar na punição pelo crime eleitoral, esta sim uma hipótese concreta, esbarra no fato que para isso a Justiça Eleitoral terá de reverter um fato consumado aos olhos do mundo, e que isso exige uma maturidade institucional que ainda não pude perceber neste país. Além disso, para que possa ao menos cogitar fazer isso, será preciso uma prova cabal, inequívoca, quase flagrante do envolvimento da campanha de Lula com o dossiê. Preciso falar? Vou deixar isso para outro post.

Não se trata aqui de abdicar pela luta pela legalidade contra a impunidade. Trata-se de não se deixar cegar por esta única (e minúscula) janela. A luta maior é desestruturar o mito. Lula cresceu e se fortaleceu em meio à perseguição. Esse foi o seu estrume. Sabemos que o PT é dado a fazer o nó da própria forca. Temos que estar prontos para puxar a corda antes que ela fique rota. Ao contrário da morte, que é permanente, o mandato é temporário. O desafio é não deixar que ele perca essa característica, como aconteceu em Cuba e na Venezuela. É não permitir que a manipulação seja a mola mestra de 2010. Ajudar Lula a desconstruir a si próprio nos conduz a um objetivo mais importante que abreviar seu mandato: puni-lo justa e definitivamente com a pena mais cruel: condená-lo ao ostracismo.

1 Comentários:

At 11:54 AM, Anonymous Anônimo disse...

A candidatura Alckmim morreu, mas o Brasil não. E mesmo que o Brasil morra, eu não morrerei junto. Lutarei enquanto dê. Quando não dê mais, deixarei o bananão.

 

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