02 novembro 2006

A Lei e as urnas

No post anterior falei sobre minha descrença quanto à possibilidade de Lula ser cassado por crime eleitoral, em virtude do dossiê comprado para prejudicar os tucanos. Acho que isso é uma daquelas consolações que buscamos diante da tragédia. Costumo ser otimista, mas quando o otimismo confronta a realidade dou preferência à última. Quando alguns outros blogs propagavam a ilegitimidade das pesquisas, crucificavam o Datafolha e enalteciam o cenário dos trackings eu já desancava a campanha de Geraldo Alckmin e duvidava da vitória. Entrei para o time dos que "jogaram a toalha", mas a inaceitável vergonha que o Datafolha mostrava emergiu descaradamente das urnas.

Agora me vejo novamente diante da expectativa daqueles que ainda se recusam a acreditar que este país se rendeu à bandidagem. Admitamos ou não, houve, sim, uma rendição. Quer tenha sido pelo apoio ao erro, quer tenha sido pela omissão ante sua presença, quer seja pelo declarado apoio à esquerda inescrupulosa, quer seja pela inoportuna rejeição ao "conservadorismo das elites", houve uma escolha em que outros critérios foram privilegiados em detrimento da honestidade e do respeito à coisa pública. Tenha votado no PT ou se abstido covardemente pela via da justificativa (o jeitinho brasileiro de não cumprir o dever do voto) ou do voto nulo, o eleitor referendou a indecência administrativa.

É neste país que se deseja desfraldar a bandeira da legalidade como se ela fosse sobreviver incólume aos eflúvios pestilentos que se imiscuem nos corredores dos poderes? Não será apenas pelo apreço à justiça que uns poucos bastiões da honestidade conseguirão preservá-la do acintoso eco das urnas. Para contrapor-se às urnas será preciso algo que acenda o clamor público, ainda anestesiado com a ilusória alegria da vitória. Será preciso algo contundente, que não sucumba facilmente às falácias habilmente urdidas pelos mestres da desfaçatez.

Assim, primeiramente é preciso achar provas que demonstrem, sem sombra de dúvida, que a foi campanha do PT à Presidência da República que usou dinheiro ilícito para adquirir documentos para uso eleitoral. Se o rastro acabar na campanha de Aloizio Mercadante, candidato derrotado, como deseja o PT, nada acontece. Nesse caso, poder-se-ia especular numa vingança do bigodudo ("não descerei ao inferno sozinho", teria dito), mas é improvável. Esse mesmo tipo de afirmação foi atribuída a Zé Dirceu e nada aconteceu. A falta de provas concretas não só inviabiliza uma ação efetiva do TSE, já propenso a abdicar da polêmica, mas confere a qualquer iniciativa nesse sentido a pecha de "golpe". E no terreno pantanoso da corrupção, achar prova exige muito empenho.

Permito-me agora incorporar a personagem do inesquecível Francisco Milani (humorista fantástico, apesar de comunista até a raiz do cabelo) na Escolinha do Professor Raimundo. Com o seu bordão "pedra noventa só enfrenta quem agüenta", Pedro Pedreira exigia as provas mais estapafúrdias dos fatos históricos, como plano de vôo do 14-Bis ou atestado de óbito de Jesus Cristo. Tal como ele, pergunto: "- Recibo assinado por Vendoin, em nome do candidato ou de funcionário a seu serviço direto, tem?"; "- Gravação com a voz do candidato ou pessoa diretamente ligada à campanha presidencial falando, sem ser por códigos sobre o dossiê, tem?" "- Então não me venha com xurumelas!"

Tirando o exagero próprio da personagem, quero dizer com isso que o TSE não irá reverter os rumos da história baseado em indícios e testemunhos ("a prostituta das provas"). E quem poderá produzir as provas consistentes? A Polícia Federal ? A mesma que anteontem intimidava os repórteres da Revista Veja? É daí que devemos esperar as provas do delito eleitoral? Quem sabe da CPI das Sanguessugas e seus "detetives" experimentados, ainda mais quando a legislatura está no fim?

Mas vamos ignorar a falta de empenho da PF e supor que seja revelada uma prova irrefutável do envolvimento do comitê de campanha de Lula (e, segundo a lei eleitoral, dele mesmo, sabendo ou não). Terá o TSE força para fazer prevalecer a lei contra a vontade das urnas? Ou irá preferir se esconder atrás do argumento que o procedimento não alteraria o resultado do pleito? Seria a instituição do Judiciário forte a ponto de enfrentar o risco de comoção de um povo acostumado a relativizar a Lei?

É justamente na desconfiança quanto a tal maturidade que encontro motivos para não nutrir muitas esperanças.

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